Escrito por Saraiva    Dom, 20 de Janeiro de 2019 20:26    Imprimir
Facção do Maranhão chega ao Piauí e passa recados com ameaças através de pichações

O que parecia inconcebível para Teresina-PI, hoje é realidade e faz com que esforços mútuos trabalhem em prol da Segurança Pública na Capital Piauiense. O que antes era visto apenas em capitais como São Luís, Fortaleza, Belém, Rio de Janeiro, São Paulo e em outros centros urbanos brasileiros, agora passa a ser uma certeza na maior cidade do Piauí, onde a tranquilidade já foi um estilo de vida. Facções, “Bonde dos 40” e insegurança são as palavras-chave desta reportagem.

OitoMeia confirmou indícios da presença da maior facção criminosa do Maranhão no Piauí, especialmente em Teresina. Chamado de “Bonde dos 40”, o grupo é responsável por comandar o tráfico de drogas e de armas, além de execuções contra rivais, diretamente do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, localizado em São Luís, capital maranhense. E a atuação criminosa no estado vizinho foi exportada para cá, cujos primeiros sintomas do fato dizem respeito a pichações como forma de demarcar território.

Grupo demarca território e qualquer ação inimiga ou que vá contra as “leis” da facção é punida (Foto: Édrian Santos / Montagem OitoMeia)

FACÇÃO CRIA AS PRÓPRIAS LEIS

Nessa demarcação de território, qualquer ação inimiga ou que vá contra as “leis da facção” é exemplarmente punida. Por exemplo, essas normas são divulgadas por meio de pichações e boca a boca na região onde o grupo se instala. Assim, líderes convencionam a proibição de delitos na localidade, como roubar, matar, fumar, ingerir bebida alcoólica, comprar, vender ou consumir drogas ilícitas em áreas públicas, sobretudo se houver crianças no local.

Leis determinadas pelos chefões do tráfico, todos da comunidade passam a “andar na linha” e o “cidadão de bem”, porém, aquele sem tanta instrução, vive uma falsa sensação de tranquilidade. Por vezes, até agradece a facção, já que o Estado não consegue garantir uma segurança efetiva àqueles moradores. Tudo isso aliado à pobreza e a uma espécie de desassistência do setor público, propiciando o terreno perfeito para esses grupos que atuam como legisladores e juízes.

Manter o território demarcado em estado de “paz” tem um objetivo muito prático para esta facção: não chamar a atenção das forças policiais, já que as mesmas podem atrapalhar o negócio rentável do tráfico de drogas, entorpecentes que podem chegar a todas as zonas da cidade, da pessoa mais pobre a mais rica. Então, os líderes desses grupos perceberam que ter sirenes tocando nas ruas e a imprensa atuando contra a submissão das pessoas dessas comunidades não traz lucro.Facções dão recado para outras: “Proibido roubar morador” (Foto: Reprodução WhatsApp/OitoMeia)

VÍDEO PROVA COMO AGEM

Você deve estar se perguntando como a equipe de reportagem do OitoMeia teve acesso a todas essas informações com tamanha riqueza de detalhes. Coincidentemente, quem escreve este texto é um repórter que já morou em São Luís-MA. E, mais coincidência ainda, em um bairro dominado pelo “Bonde dos 40”. Quase todos os dias tiros eram ouvidos, uma bala já ficou alojada na janela da casa onde este repórter morava e o irmão adolescente foi assassinado com um tiro na cabeça por se envolver com grupos rivais.

Bom, mas a reportagem aqui é para tratar da presença da facção em Teresina e serve para alertar a população. O grupo do “Bonde dos 40”, pelas evidências, de uma certa forma, tem se organizado para crescer na periferia da capital do Piauí.  Um dependente químico na capital, por exemplo, num caso recente, que roubou uma comunidade para alimentar o vício já sentiu o quanto esta facção não está de brincadeira. Ele foi abordado, levado a um lugar desconhecido e levou dois tiros – um em cada mão.

A informação foi confirmada pela reportagem do OitoMeia através de uma fonte que pede sigilo de seu nome, temendo retaliações. Para ilustrar esta matéria, o portal teve acesso ao vídeo que mostra o episódio citado no parágrafo anterior. A ocorrência foi confirmada por uma pessoa próxima da vítima e as imagens circularam entre grupos de WhatsApp de moradores da Zona Sul de Teresina. A identidade de ambos será preservada, pois eles podem ser alvos de novos crimes na região. Ainda sob critérios de segurança, a gravação abaixo foi desfocada, sendo possível apenas ouvir as falas dos bandidos.Pichação da facção Bonde dos 40 no Conjunto Eduardo Costa, Zona Sul de Teresina (Foto: Ricardo Morais/OitoMeia)

FACÇÃO MARCA TERRITÓRIO NA ZONA SUL DE TERESINA

A família do dependente químico alvo da facção só teve acesso ao vídeo no último dia 16 de janeiro. Ninguém sabe ao certo o local exato e nem quando o crime aconteceu. A vítima, que tem passagens pela Polícia, não tem onde morar. Ele não é abrigado pelos familiares por considerá-lo perigoso e porque pode cometer furtos. Como não existe condição financeira para uma internação, a rua torna-se a sua única alternativa. “Ele andava cometendo furtos em vários bairros”, contou a fonte.

A equipe do OitoMeia planeja esta pauta desde o dia 07 de janeiro, a partir de várias publicações no Instagram de um ex-policial, atualmente advogado, cuja identidade também será preservada. Várias pichações foram fotografadas no bairro Santa Fé, Zona Sul de Teresina. Todas elas com a marca “Bonde dos 40” ou “B.40”. Aquilo tinha que ser confirmado, logo a coisa mais sensata e ética seria ir à busca dos locais registrados.

O portal então tomou todas as providências possíveis e não se baseou apenas pelas imagens compartilhadas nas redes sociais. Com os endereços em mãos, repassados por esta fonte, o OitoMeia chegou à rua que dá acesso ao bairro Santa Fé e seguiu até encontrar de fato as pichações. Várias pichações “Bonde dos 40” ou “B.40” foram vistas. Uma delas inclusive no muro da subestação da Eletrobras, já no bairro Santo Antônio.Facções de Teresina podem ter auxiliado tentativas de fugas entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019 (Foto: Arquivo OitoMeia)

FACÇÕES ATUAM TAMBÉM NOS PRESÍDIOS?

Em uma das imagens capturadas pela reportagem, o muro da Eletrobras tinha a seguinte pichação: “B.40 é nós B.40 – Caçadores de Alemão”, fazendo alusão a membros de facções rivais. Curiosamente, os escritos nas paredes estão a poucos quilômetros do Presídio José Ribamar Leite, antiga Casa de Custódia, localizada na BR-316. Seria um indício da ligação desse grupo com apenados que comandam o tráfico de dentro do sistema carcerário do Piauí?

Para responder esta pergunta, o OitoMeia conversou com um agente penitenciário, cuja identidade também não será revelada – retaliações podem vir dos membros da facção ou de sanções administrativas da Secretaria de Justiça do Piauí (Sejus-PI). A fonte informou que tem conhecimento de pelo menos três grupos criminosos organizados no Piauí – “Família do Norte” (Pará), “Primeiro Comando do Maranhão” (PCM), rival do “Bonde dos 40” no estado vizinho, e Primeiro Comando da Capital (PCC), originário de São Paulo.

“Houve a informação de que poderia haver um resgate na Penitenciária Irmão Guido [em Teresina], naquele período em que estavam cavando muitos túneis e que também fugiram presos da Casa de Custódia. Naquele período, também, houve indícios do envolvimento de facções. Houve um trabalho de inteligência, os presos foram identificados e remanejados para uma outra unidade”, revelou o agente penitenciário. O local aonde os internos foram levados está em sigilo.Anuário Brasileiro de Segurança Pública identificou pelo menos uma facção no Piauí entre 2014 e 2017 (Reprodução FBSP)

SECRETÁRIO NÃO DESCARTA POSSIBILIDADE

OitoMeia conversou com o coronel Rubens Oliveira, secretário de Segurança Pública do Piauí (SSP-PI). Em resposta, o gestor reencaminhou a reportagem para o setor de inteligência da Polícia Civil, mas ressaltou que todos os estados do Brasil estão sujeitos às facções criminosas. Ele confirma que existe o conhecimento de grupos criminosos organizados em Teresina, mas que não sabia do caso trazido pela reportagem sobre o homem dependente químico vítima do “Bonde dos 40”.

“O Piauí não é uma ilha. Essas facções criminosas existem em todo o Brasil. Hoje, não há nenhum estado sem elas. Até via WhatsApp, as pessoas se organizam. Então, nós não podemos descartar essa possibilidade”, comentou o secretário. O OitoMeia não conseguiu entrar em contato com o delegado Carlos César, diretor de Inteligência da Polícia Civil do Piauí, indicado pelo titular da SSP-PI.

A reportagem ressalta que o Anuário Brasileiro da Segurança Pública, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados de 2014 a 2017, identificou pelo menos uma facção prisional no Piauí. No caso, o grupo citado é o Primeiro Comando da Capital (PCC), nascido em São Paulo e presente em quase todos os estados.

SEJUS-PI NEGA PRÁTICAS ORGANIZADAS

O posicionamento da Secretaria de Justiça do Piauí (Sejus-PI) ameniza os riscos da existência de grupos organizados no Piauí, informando, por meio da assessoria de imprensa, que tais manifestações de internos do sistema carcerário ou não são de pessoas que tiveram alguma ligação com facções de outros estados e que trazem essas características para Teresina.

Ainda é destacado que o sistema de inteligência monitora os casos denunciados pela reportagem, a exemplo das pichações na Zona Sul com a marca “Bonde dos 40” ou “B.40”.No Ceará, as facções também passaram a avisar da saída das pessoas através de pichações (Foto: O Povo/CE)

Espera-se que, em alguns anos, o Piauí não se transforme num estado de insegurança e caos como se tornou há poucos dias o Ceará, dominado por facções e com a população refém do crime pela ineficiência do Estado. São Luís, Fortaleza, Belém, entre outras cidades, também não imaginavam que pequenos grupos de antes se organizariam ao ponto de garantirem a segurança das próprias comunidades para se perpetuarem no poder.

 

 

 

Fonte: Portal Oitomeia.com.br

Última atualização ( Dom, 20 de Janeiro de 2019 20:47 )